Musica na EMEI

26/11/1996 14:30 – Escola Municipal de Musica

Musica na EMEI – Formação de Monitores Musicais (Click para ver a notícia original)

Entrevista com a Professora Nereide Schilaro Santa Rosa sobre o projeto de formaçao de monitores musicais capacitando-os a ensinar musica para criancas em periodo pre-escolar. A entrevista é parte da tese de doutorado de Sonia Regina Albano Lima intitulada “Escola Municipal de Música criação e desenvolvimento, PUC São Paulo 1999 424 paginas.
1.Por que você teve a intenção de fazer esse projeto e porque escolheu a EMM?
N- Em 1993, iniciamos o trabalho junto a Prefeitura na Divisão de Orientação Técnica de Educação Infantil. Lá ficamos responsáveis por toda a área musical das Escolas Municipais de Educação Infantil, as EMEI. Só na cidade de São Paulo, há 350 EMEI. Iniciei o trabalho com esse projeto de resgate da educação musica], junto a estas instituições. Primeiramente, fizemos uma pesquisa na rede. Enviamos um questionário às escolas perguntando se havia algum tipo de trabalho musical com as crianças de 4 à 6 anos de idade, que é a faixa etária correspondente às EMEÍ. As dificuldades enfrentadas e qual seria o interesse na execução deste trabalho especifico. A resposta dessa pesquisa está publicada inclusive no Diário Oficial da época. Praticamente, 100% das escolas manifestou interesse em desenvolver este trabalho de educação musical e queriam um especialista na área, porque as professoras que trabalham nestas escolas – as professoras de educação infantil – não tem conhecimento científico e pedagógico de como trabalhar a música. As escolas pedem a volta do especialista musical, mesmo porque, desde 1935, quando foi fundado o primeiro parque infantil na cidade de São Paulo, já havia a presença do educador musical. Era um cargo muito bem visto e este profissional desenvolvia uma serie de atividades em todos os parques infantis. Na ocasião havia a educadora sanitária, o educador de educação física e a educadora musical. Isto aconteceu aproximadamente até 1975. Até este período havia sempre pessoas trabalhando com a educação musical, garantindo o trabalho com a música junto à criança de 4 à 6 anos, nas Escolas Municipais de Educação Infantil. Com a lei de diretrizes e bases de 1972, se não me engano, fomos orientados que não houvesse mais a educação musical e sim o ensino da educação artística. Com isso, o especialista, o profissional de música, foi acabando. Na PMSP, o cargo de educador musical foi extinto “em vacância”. Isso significa que as pessoas que se aposentavam não eram repostas no cargo. Praticamente, terminou o cargo de educador musical nas EMEI. No último ano, esses profissionais se tornaram professores titulares de ensino fundamental, – professor normal, sem nenhuma discriminação ou especialização. Então, em vista dessa pesquisa e das solicitações destas instituições em voltar a educação musical nas EMEI. – já que os professores não trabalham com música, no máximo cantam uma musiquinha, põe um disco e fica nesse nível de atuação, bem experiencial, uma coisa bem empírica por entenderem música desta fornia. Queríamos, realmente, resgatar a importância da educação musical para a própria construção do conhecimento da criança, o próprio desenvolvimento cognitivo dela e esclarecê-los de como é importante atuar junto a criança com a música.

2. Queria que você falasse um pouco deste trabalho cognitivo musical. Este tema interessa para minha dissertação.
N- Deixa só eu voltar para a primeira pergunta, depois respondo esta. Por que procurar a Escola de Música? A partir dessa solicitação das EMEI, eu com a Diretora da Divisão, Silvia Paulo, fomos procurar pessoas que sabiam e tinham o conhecimento de música. Fui atrás dessas instituições. A EMM naquele primeiro ano me auxiliou muito, falei com o Henrique, com a Eliete, eles adoraram a idéia, porque, realmente, estava se abrindo as portas para que novos campos de atuação dos profissionais de música. Se conseguíssemos a volta da música no parque infantil seria muito bom. No primeiro ano, (1993) nós fizemos um trabalho junto com a EMM. não com os estagiários, fazíamos apresentações didáticas com os professores da EMM que iam junto às crianças das EMEI. Levávamos os professores com uma perua do DOT e as crianças assistiam às apresentações e complementávamos este trabalho com uma orientação pedagógica, ou seja, como aproveitar esta apresentação na sala de aula. Vieram vários professores da EMM: Kiszely, Maria Elisa Risarto e outros. Eles se apresentavam mostrando os instrumentos, falavam um pouco dos compositores e das obras e depois nós orientávamos as professoras de como vincular este trabalho, por exemplo, na sala de leitura, nas aulas de português, de matemática, enfim, a uma série de áreas, até mesmo desenho e a parte artística. Enfim, percorremos esse caminho no primeiro ano. Foi um sucesso estrondoso. As pessoas começaram a perceber a importância e a oportunidade única que se oferecia para as crianças da periferia de São Paulo. íamos à Itaquera, Grajaú – longe mesmo. Havia crianças que não conheciam o que era um violino, um saxofone, o que era um piano bem tocado. Muitas vezes, os pianos das EMEI estavam jogados no canto, nunca tinham sido usados e estavam sendo utilizados como armário. Nada era imposto, consultávamos a equipe para saber de seu interesse em participar do projeto. Para dar seqüência a proposta e a pesquisa, resolvemos iniciar o Projeto Piloto de Formação de Monitores Musicais. O quê é isso? Seria realmente resgatar o papel do educador musical nas EMEI: aquela pessoa especialista atuando junto a criança. Porque, veja bem, ao mesmo tempo em que fazíamos essas apresentações didáticas, a nossa equipe de música do DOT orientava os professores leigos. Com isto sentimos que, você ensina e avança com este pessoal até um certo ponto. Você explica que a bandinha é assim, o coral é assim c dá as mais variadas orientações, mas o professor leigo tem um limite, depois ele não avança mais e fica na música pela música. Nós queríamos essa valorização pedagógica. Porque as pessoas e até as professoras, vêem a música como perfumaria para uma festinha. “Vamos preparai” a festinha do final do ano, a do dia das mães e assim se introduz a música nas escolas. Não é por aí, o que a gente queria, e conseguimos no último ano. foi mostrar a importância do cognitivo na música. Fomos novamente com a Eliete c perguntamos -” Que você acha de abrirmos este espaço? É um estágio não remunerado e não poderemos obrigar um aluno nestas condições.” Ela achou interessante mesmo assim. Aí fiquei impressionada, houve um grande interesse destes alunos, eles queriam fazer este estágio pela simples experiência e oportunidade de adquirir nov os conhecimentos. Para nós, era igualmente importante ter um pessoal com um conhecimento satisfatório apesar de não terem conhecimento pedagógico didático de como atuar com a criançada. Foi uma experiência muito rica nesse sentido, houve uma troca significativa, as EMEI adoraram. Você deve ter tido acesso aos relatórios? A maioria adorou, houve alguns problemas, tivemos que adaptar estes estagiários à uma classe infantil, porque eles não tinham didática e tínhamos um tempo exíguo para passar tanta informação. Mesmo assim, achei o resultado altamente satisfatório.

3. Poderia informar quantas escolas foram favorecidas?
N – Em 1994, participaram vinte EMEI. em 95 cerca de 12 EMEI, ou algo em torno disto. Em 94 foram beneficiadas 4.000 crianças e em 1995 mais ou menos 3000.
4. Porque este projeto parou em 96, uma vez que chegou a ser objeto de uma comunicação em congresso de educação?
N- Realmente, foi divulgado em Congresso, mas na Secretaria Municipal de Educação, existe uma hierarquia. Temos a Secretaria Municipal de Educação, a SUTENE que é a Superintendência do Município, o DOT que é a Divisão de Orientação Técnica. Até final de 95, existiam o DOT 1, DOT 2, DOT 3, legalmente instituídos. O DOT 3 onde trabalhávamos, atingia as EMEI. cuidando da educação infantil. O DOT 2 cuidava do primeiro grau e o DOT 1 cuidava da educação de adultos. No final do ano passado, houve uma restruturação interna nessas divisões e não legal, porque para haver a restruturação legal, ela deveria ser apreciada na Câmara de Vereadores ou alguma coisa semelhante. Não sei como tudo andou, só tenho conhecimento que acabaram estas divisões e restou um só setor que é a Supervisão de Currículos que abarca a educação infantil e de Io grau. Com isto, a minha diretora saiu e com ela praticamente toda sua equipe, ficamos em 4 ou 5 pessoas. Anteriormente, havia em torno de trinta e poucas pessoas. A nova Diretora nomeada disse: – “Nós vamos dar continuidade ao projeto porque interessa e teve ótimos resultados” e mais ainda, porque eu havia permanecido. Praticamente, este projeto ficou muito vinculado à minha pessoa. Fomos atrás da UNESP e da EMM, porém, como estava em vias de me aposentar, passei toda a orientação para aquelas que iam dar continuidade e que, entretanto, não deram. Vim a saber isto, faz dois meses.
5. Há um interesse muito grande da nossa escola neste projeto, mas infelizmente não depende de nós. Você poderia me informar como a UNESP entrou neste projeto?
N – Quando o projeto começou a surtir efeitos, a UNESP entrou. No primeiro ano só trabalhamos com a EMM.

6. Você procurou a escola por sua livre e espontânea vontade?
N – Sim. Mas anteriormente fui atrás de outras instituições, como a ECA. Tive uma boa acolhida, mas havia naquele ano uma aluna de licenciatura interessada no projeto e apenas três alunos cursando Licenciatura em Música. Na UNESP, havia quatro ou cinco alunos. Um absurdo, não existe profissional de música licenciado! Ninguém trabalha com música nas escolas, especificamente na educação artística. Eu escrevo nesse artigo aqui: Você não tem profissional porque não tem campo, mas acontece que também não consegue abrir o campo “Na prefeitura estávamos tentando abrir o caminho mas não tínhamos profissionais para atuar nesta área. Na UNESP, eles não tinham conhecimento musical, porque pode entrar alunos no vestibular que não saibam nada de música. Então, havia um grupo na EMM com um “baita” conhecimento musical, instrumentistas maravilhosos. Era engraçado, porque eu falava sobre bandinha na EMM e não havia sentido, eles sabiam muito mais. Então, o que fazíamos era lhes ensinar como se comunicar com uma criança de quatro a seis anos. Fizemos seminários para explicar justamente a parte pedagógica do projeto.

7. Então você sentiu que na EMM havia pessoas com bom conhecimento musical, mas sem o diploma de licenciatura e nas outras instituições haviam pessoas habilitadas sem conhecimento musical suficiente?
N – Sim. Os alunos da EMM tinha conhecimento musical mas não o diploma e nem o conhecimento didático pedagógico, só conheciam a música em si.
8. Você considera que o trabalho realizado foi satisfatório?
N- Sim. Os voluntários estavam interessados e isso era fundamental. A gente locava as pessoas das EMEI próximas às suas residências ou próximas ao seu trabalho para facilitar. Nós tivemos alguns casos de desistências no decorrer do estágio, porque, as vezes, aparecia um trabalho e a pessoa priorizava isto. Teve casos muito interessantes de estagiários que haviam estudado naquela EMEI quando criança e voltaram para dar aula, eles se sentiram maravilhados e a recepção nas EMEI foi muito boa.
9. E as crianças?
N – Adoraram. Nós temos um vídeo na Biblioteca do DOT que documenta este trabalho sobre a música. Chama-se “A Música na EMEI”‘. Tem cenas dos alunos da EMM atuando com as crianças. É uma gracinha, trabalham com violino, piano e atuam junto às crianças.
10. Você acha que este projeto não vai ser reerguido?
N – Bem, como você sabe, a Prefeitura funciona muito na base de quem é o Secretário, quem é o prefeito! Cada administração encaminha a orientação pedagógica de uma maneira diferente. Eu, como aposentada, passei por várias administrações, sei bem como as coisas se processam. O Jânio deu um encaminhamento, a Erundina outro, o Covas outro, o Maluf também. Está havendo uma possibilidade de continuidade nesta gestão do Pitta, mas não se sabe quem vai ser o Secretário e se ele vai ter o mesmo “staff” què existia anteriormente. Enfim, estamos aguardando. Eu, pessoalmente, não volto para atuar nas EMEI, vou estar disposta para quem me procurar, sei que muitas das pessoas de lá podem trabalhar neste projeto.
11. Otter dizer que realmente o projeto parou em 96 ?
N – Parou. Sabe, é uma coisa de você acreditar naquilo que faz, eu sempre acreditei. Entrei nessa administração com o propósito de voltar a educação musical, era essa a minha intenção e até o último dia antes de sair minha aposentadoria, fui atrás de um vereador, entreguei um relatório e disse: ”Olha veja se há possibilidade de se fazer algum projeto de lei neste sentido, porque as EMEI precisam disso, precisam de um educador musical Eu fui atrás, bati na porta. É uma coisa de garra, de querer ter isso como ideal. Não sei até que ponto as outras pessoas vão estar envolvidas, vão ter este ideal, esta garra. Batalhei muito nestes quatro anos, junto as EMEI, para conscientizar sobre a importância do projeto que culminou com o projeto pedagógico pelo qual trabalhamos muito no último ano. No ano passado, eu levantei, junto às EMEI, quais as professoras de educação infantil que tinham licenciatura em música e o conhecimento musical necessário, caso chegassem a fazer um concurso. Isto porque a minha idéia era fazer um concurso, inclusive para os alunos da EMM que participaram do projeto. Ia fazer esse concurso para a rede municipal, queria saber quantas pessoas provavelmente se interessariam, foi no começo do ano passado. Mas a legalidade disto que é difícil, você precisa ter muita força política e cu não tinha, tanto que houve essa restruturação e a minha diretora saiu fora. Você entendeu? Chamei as pessoas que consegui levantar no cadastro do Banco de Dados da Prefeitura e nós fazíamos um curso de capacitação mensal. Encontrávamos este grupo e passávamos as orientações na questão do trabalho construtivista com a música. Aí. eu vou responder aquela suapergunta. Como acreditávamos que deveria ser esse trabalho? A criança do período sensório-motor até 2 ou 3 anos imita. Então, o começo do trabalho de música é pela imitação, você faz aquele exercício de ritmo e som e a criança imita. Mas não pode ficar só nisso, você tem que questionar essa criança para que ela repense a atividade e proponha novas ações. Então, por exemplo, estou trabalhando com intensidade do som, proponho para a criança: – ‘”Cante mais forte, mais fraco. Você pode cantar diferente? Cante diferente, toque diferente, e aí tínhamos os instrumentos” É nesse momento que ela repensa e rcconstroi o seu conhecimento musical. Esta deve ser a postura questionadora do professor. Ele tem que estar sempre presente em todos os momentos, inclusive para trabalhar com a criança no sentido de ela própria realize sua notação musical individual. Nós desenvolvemos este trabalho com as professoras da rede, não com o pessoal da EMM. Trabalhamos com a notação musical criada pela própria criança, partindo deste trabalho de imitação das qualidades sonoras, do ritmo. A criança começou a registrar as coisas do jeito dela, isso foi muito legal, porque nós conseguimos até mensurar o som. Houve um progresso semelhante aquele da psicogênese da Emília Ferreiro. Eu costumo dizer que é uma psicogênese para a construção musical. Tenho tudo documentado, as crianças com as primeiras formas de notação musical, depois ela vai avançando a partir desse questionamento do professor. Claro que o professor tem que ter um conhecimento mínimo musical para poder solicitar as coisas corretamente, até chegar na métrica, na questão de duração do som c depois chegar na notação musical tradicional.

12. Então é um trabalho científico, não é só cantar?
N – Não, pelo contrário.

13. Isto é muito interessante. Apesar de tudo, o projeto foi interrompido, mas é importante ressaltar a abrangência que ele poderia ter e não teve devido a entraves burocráticos, ou outros.
N – Não foi só isso, existe o problema do número mínimo de profissionais na área. Não tenho um grupo, fui atrás, como já falei, da USP, da UNESP… Se pelo menos eu tivesse trinta, quarenta, cinqüenta pessoas atuando, teria abrangido a rede inteira.

14. Você não podia dispor desses alunos na EMM porque eles não eram preparados pedagogicamente.
N – Sim, mas também porque o estágio não era remunerado, portanto não poderia ser obrigatório. Na UNESP, o ano passado contou como estágio dentro do Curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Música. A Dra. Maria Helena reconheceu a importância do projeto e colocou-o como fazendo parte do currículo no programa.

15. Não havia esta possibilidade com a EMM?
N – Não, porque ela é uma escola livre, não é nem reconhecida. O Henrique falou isso na abertura. Então, eu não dispunha de profissionais aptos e suficientes para levar avante o projeto. O profissional, voce não encontra. É como falei anteriormente: você não encontra campo para ter os profissionais e, ao mesmo tempo, não tem profissionais para ter o campo de atuação. Esse é um parâmetro. Eu tive durante três anos total apoio da minha Diretora, ela brigava, lutava. Tanto é que quando saímos do projeto, as pessoas não tiveram a garra suficiente para continuar. Se tivéssemos tido um respaldo, nós teríamos crescido muito. Por exemplo, o mesmo tipo de projeto foi realizado na educação física com um colega meu. Ele conseguiu um projeto de lei que permite a volta da educação física nas EMEI. Por que? Existe uma Faculdade de Educação Física que forma anualmente 200 pessoas. Entre estes, vamos dizer que 100 se interessem pela licenciatura, não vão ser esportistas numa academia… Conosco, é diferente, ou eu atuo com esse pessoal interessado em música que é o pessoal da EMM, que ao mesmo tempo não tem respaldo legal, porque não tem formação pedagógica, ou eu vou para a UNESP. Fui atrás da Faculdade Mozartcum e Marcelo Tupinambá. Na UNESP c ECA você já sabe. Na ECA havia só uma pessoa que atuou alguns meses na EMEI do Sumaré, quer dizer, se isso acontece cm São Paulo como estará no Brasil? O que está acontecendo? É uma loucura! Quer dizer, você vê a música realmente perdida. Eu digo sempre nas minhas palestras: “As pessoas, os brasileiros tem uma idéia errônea da música, pensam que ela é uma coisa fútil, uma perfumaria”. Por que? Em cada esquina você pode encontrar uma pessoa fazendo música, um batuque… Então, para nós música é isto. É diferente do enfoque que se tem na Europa, eles sim valorizam a música. O problema está na nossa cultura que trata a música como uma fútil idade. Observe as escolinhas particulares! Eu, pessoalmente, se não tivesse me aposentado teria continuado o projeto. O problema está no fato de que nós não aparecemos politicamente tanto quanto deveríamos. Não houve uma repercussão satisfatória do nosso trabalho.

16. Particularmente, penso que isto nunca vai acontecer na área musical!
N- Mas quando você lida com a Secretaria de Educação, Secrctaria de Cultura, você tem que ter um certo respaldo político, porque senão nada acontece.
17. É. Eu analisei o projeto todo. resumi aquele calhamaço que a Eliete me deu e percebi que eram poucas as aulas e seminários que seriam dados.
N – Sim, eram aulas semanais de vinte minutos. O estagiário tinha que fazer 2 horas por semana. Eram 36 horas totais, o que correspondia a um período de dois ou três meses, dependendo dos feriados. O arranjo do horário nas EMEI era feito junto com a Coordenadora Pedagógica, nós não interferíamos nesta parte. Queríamos uma integração do estagiário com a Escola: com a Coordenadora, a Diretora, com os Professores e que isto não fosse visto com um entrave, um problema. A escola é que dizia: – “Olha os seus horários são esses. Os nossos são estes. Vamos combinar quais as classes que você vai atender, o período”. Isso tudo era norma interna da escola. O estagiário tinha uma ficha de estágio para ser preenchida, assinada pela diretora e um relatório de avaliação, perguntando o que ele havia achado do trabalho, as dificuldades encontradas. Ao mesmo tempo, as EMEI também mandavam sua avaliação, depois cruzávamos as informações.

18. Vi as informações, elas eram muito boas inclusive. Quer dizer que não houve realmente um empecilho por parte de qualquer uma destas escolas municipais?
N – De maneira alguma.

19. O que houve realmente foi a interrupção deste projeto em 96 em conseqüência de sua aposentadoria e pelo fato de não existir alguém que desse uma continuidade?
N – Bem que tentei.

20. Até que ano existiu esta função de educador musical?
N – Até, aproximadamente, 1980 havia alguns educadores musicais.

21. Este educador musicaI trabalhava de que maneira?
N – Praticamente, ensinava as crianças cantarem.

22. Você considera isto é um resquício da cultura de massa, ou simplesmente um fato rotineiro na educação brasileira de não se ensinar música seriamente? N – Acho que e cultural, a própria sociedade não atribui à música um perfil de formação da própria inteligência do indivíduo.

23. Você tem respaldo bibliográfico nesta questão? N- Existe muita coisa neste sentido. A Violeta Gainza fala muito sobre isto, mas este enfoque de as crianças elaborarem sua própria notação musical é um trabalho inédito.

24. Você publicou isto?
N- Ainda não. Mandei um a proposta para a Scipione onde tenho alguns livros publicados, para a Tales e para a Ática. Tudo está em estudo, mandei também um resumo para a “International Office Music Education”, que organizou um Congresso neste ano. Ainda não obtive resposta de nada.
25. Seria interessante esta publicação. Trata-se de uma obra referencial.
N- Exatamente. Tenho guardado o material que as crianças fizeram e o vídeo, tudo está documentado. Tenho inclusive a apostila do DOT que fala sobre o assunto. Posso até conseguir uma para você.

26. Gostaria, porque pretendo demonstrar como o ensino musical é desvalorizado pela sociedade.
N- Ele não é valorizado pela educação.

27. É porque a música não traz um retorno. É bem como você expôs. Os que atuam em outras áreas oferecem à sociedade este retorno. Veja o caso de Educação Física, a valorização do corpo, estas coisas todas…
N- Também existe uma Faculdade de Educação Artística na qual não se trabalha direito nem música, nem artes plásticas, nem o corpo. Quer dizer que a pessoa fica perdida, não sabe como conciliar as coisas. Você trabalha um pouco de artes cênicas, um pouco de artes plásticas, um pouco de música e não trabalha nada profundamente, perde-se a especificidade das coisas.

28. Algumas vezes falei sobre esta problemática.
N- Isto é um problema sério. Deveria mudar a Lei de Diretrizes e Bases.

29. Parece que a atual, que entrará em vigor, è um pouco pior.
N- E verdade, a última notícia que tive, foi de que piorou consideravelmente, não fala nem do ensino de música e muito menos da educação artística. Parccc que até a educação artística não vai ser mais obrigatória. Um horror!

30. Por trás há uma visão bem tecnicista em tudo isto!
N- Sim. Observe, tem gente que considera a música só como expressividade, não vê este lado cognitivo. Tinha colegas no DOT que achavam a música pura expressão. Eu sou mais dura, faço contraponto, ensino a teoria, justamente porque deve haver uma mediação neste tipo de trabalho. Você tem que trabalhar o hemisfério direito e o hemisfério esquerdo do cérebro na criança.

31. Teria algo mais a dizer sobre esta função cognitiva da música na formação infantil?
N- Tenho este texto e uma apostila escrita por mim e publicada pelo DÒT.
32. Poderia divulgar este seu trabalho na minha dissertação? Claro que atribuindo a autoria à sua pessoa.
N – Ela é pública. Acho ótimo. Existe um livro publicado pela Cortez que fala sobre notação musical para crianças, mas não apresenta o mesmo enfoque, é mais geral. Trata de uma experiência realizado com um grupinho de crianças. O nosso abrangeu a rede municipal, quase em sua totalidade. Nós registramos o que se chama marcas iconográficas, nas quais a criança faz o registro da fonte sonora e dos temas musicais. Por exemplo, está tocando no rádio uma valsa, ela desenha em baixo uma bailarina, ou então, um rádio porque existe a música que vem do rádio. São as chamadas marcas iconográficas. Avançando no aprendizado, essa criança vai utilizar símbolos para representar o som, trata-se da notação figurai. Depois, ela vai entrar com padrões rítmicos, métrica, intensidade, altura, duração, ao que chamamos de notação métrica. Por exemplo, veja isto, a criança cantava: – “Borboletinha, [fecha] na cozinha [fecha], lavando roupa [fecha]…” Ela já passa a ter uma certa noção de métrica, tamanho, ritmo, compasso, mas isto ela faz da sua maneira, outra criança poderá utilizar a mesma música e notar de outra forma.
33. Você acredita que o estudo da música na criança pode desenvolver mais o raciocínio do abstrato da criança?
N – Com certeza. O problema, Sônia, é que o som não é concreto. Existe o objeto que produz o som, você não pegão som. O difícil para a criança nesta faixa etária é entender o queéum som! Porque ela vê, é como eu te falei, primeiro ela registra a fonte sonora, o que produz o som. Isto é concreto para ela, mas o som em si é abstrato. Essa é uma briga muito grande que tenho com os piagetianos, porque vocc tem que partir do concreto para chegar ao abstrato. Veja Piaget. Como você trabalha reversibilidade do pensamento, conserv ação de quantidade? Você coloca a mesma quantidade de água, ou massinha em recipientes diferentes e a criança não percebe. Quando ela passa a entender, já adquire uma noção do que é conservação e, principalmente, conservação do número. Então, eu falo para os piagetinianos: “Gente, existe a conservação do som que a criança tem que entender para poder chegar na notação musical mais elaborada, – reversibilidade no pensamento para saber que uma mínima vale duas semínimas e vice-versa. Vocc precisa trabalhar isso concretamente com o corpo da criança, com o objeto, com o som, e a partir disto ela vai construir, fazer a sua própria notação, pela simples observação”.
34. Isto leva a criança a desenvolver um raciocínio abstrato.
N- Sim, para chegar num conhecimento abstrato, ela tem que partir disto. Quem estuda música desta maneira, desenvolve mais rapidamente o raciocínio abstrato. Penso que nunca se estudou música desta forma. Na minha época entrávamos direto nos conceitos mais abstratos. Nunca construímos a música, nem as crianças, nem os adultos. Todos deveriam estudar música desta forma, não só as crianças. Sc começarmos com esta seqüência de trabalho, vai se entender melhor os conceitos abstratos da música e vai se construir mais música. Por isso que eu digo que é uma “psicogênese”, não é só trabalhar com criança, é trabalhar com o indivíduo, o homem cm geral. Quem sabe um dia possamos divulgar esse trabalho e mais pessoas vão poder estudar c se aprofundar nele. Nós tivemos uma única oportunidade e o resultado foi excelente.
35. Vocês abordaram estas questões nos seminários que foram realizados na EMM para os nossos estagiários?
N – Não. Cuidamos apenas de ensinar como lidar com as crianças em sala de aula. Estes estagiários não tinham noção de como controlar um grupo de crianças. Veja bem: geralmente o professor de música dá aulas para um grupo mínimo de crianças, 2 ou 3, ou até aulas individuais na maioria das vezes. Nas EMEI havia de 30 a 35 crianças solicitando atenção o tempo todo, não sabiam ler e nestes casos você tem que dar atividade direto. Aí que nós os orientávamos.

36. No Congresso houve interesse sobre esta temática?
N- As pessoas perguntaram muito, foram solidárias à causa, porque, na verdade, todos acham importante este resgate da música, abrir espaço para o professor de música.
37. Tenho observado nestes congresso uma grande preocupação a este respeito. Por que você acha que isto não acontece?
N- É complicado. Eu vi muito interesse da Associação dos Construtores de Instrumentos Musicais, eles tem muito interesse de que haja essa volta da música para as escolas. Acho que falta um apoio político, financeiro, ou mostrar… Além do mais, a educação é um problema sério no país, o que dirá de uma fração da educação que é a educação musical!

38. Que obviamente não trás nenhum retorno financeiro.
N – Penso que se a gente realmente valorizar este cognitivo na música, pelo menos vai se começar a mudar a mente do próprio professor, porque a desvalorização da educação musical acontece dentro da própria escola, na própria orientação pedagógica das escolas. Tenho um livro publicado de flauta doce da Scipione. Vende muito pouco, ele não é comercial como um livro de matemática, história ou português. Não traz retorno comercial para os editores.

39. Basicamente, seria isto que eu deveria lhe perguntar. Gostaria de falar mais alguma coisa?
N – Acho que não. Falei tudo. Falei dos problemas e dos frulos colhidos neste projeto. Pena que as pessoas não ponham a mão na massa e nem dão suas caras para bater. Eu tenho a certeza de ter cumprido com minha missão. Enquanto estava atuando fiz o máximo sempre com o apoio da minha Diretora, da Eliete e do Henrique, que foram maravilhosos deste o início. Espero que ele volte a acontecer cm 1997. Isto vai depender da política. Mas de alguma forma, as crianças daquele tempo que já devem estar no primeiro grau levaram algo de bom para a vida, elas levaram para suas casas uma série de informações. Acho que com essas 5.000 crianças que agente atingiu, foi satisfatório, apesar de todos os problemas que enfrentamos.

40. Nereide posso publicar, parafrasear ou editar esta entrevista.
N- Sim, se você quiser me mostrar depois, eu terei o maior prazer. Quero também lembrar que no início das nossas conversações com a EMM, discutimos muito esta questão do objetivo primordial da escola em preparar instrumentista para a orquestra, enquanto que o nosso enforque era puramente pedagógico. Chegamos a conclusão que o principal para as duas unidades era valorizar a miisica e este seria o único caminho para sc conseguir este intento. Pelo menos, estas crianças poderiam ser no futuro, ouvintes da Orquestra Sinfônica Municipal e teriam um conhecimento razoável da música.