A infância de um gênio

08/05/2011 – O Regional – Jornal

A infância de um gênio (Click para ver a notícia original)

Emília, Narizinho, Tia Anastácia, Dona Benta. O Saci, e o inteligente Visconde de Sabugosa. Centenas de crianças tiveram a infância marcada pelas travessuras dos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo. Na data em que um dos maiores escritores da literatura infanto-juvenil brasileira completaria aniversário, a escritora Nereide Santa Rosa escolheu “Monteiro Lobato” para tentar decifrar sua infância.
O livro deixa de lado o espírito crítico e progressista de José Renato Monteiro Lobato e narra, aos pequenos, a infância do pequeno Juca que, bem diferente de Pedrinho, Narizinho e Emília, era um menino quieto. Preferia passar horas na biblioteca do avô, denominada por ele de “sala encantada”, ou na companhia das irmãs mais novas Esther e Judith.
Em comum com os personagens do Sítio, Monteiro Lobato tem as lembranças da fazenda “Santa Maria”, em Taubaté, onde cresceu. A varanda da casa grande, os pés de café e até um morro de mata virgem, que imaginava ser o habitat de onças e índios.
“Monteiro Lobato” pertence à Coleção Crianças Famosas, que narra os primeiros anos de vida de grandes personalidades como “Cecília Meirelles”, Leonardo da Vinci, Jorge Amado, Santos Dumont e muitos outros.
Paulistana, a escritora também é formada em pedagogia e matemática. Confira a entrevista com a autora:
O Regional: Como surgiu a iniciativa de escrever sobre Monteiro Lobato?
Nereide Santa Rosa: A iniciativa surgiu pela importância da sua obra literária e pela sua infância como elemento formador em sua obra. Propor a publicação do título sobre Monteiro Lobato na coleção foi mais do que uma necessidade, era fundamental para nossos pequenos leitores. A Coleção Crianças Famosas aborda a infância de personalidades do mundo das artes, da literatura, do meio científico e da música. A infância é o período formador do indivíduo. As relações familiares, as descobertas e a construção do conhecimento nessa fase de nossa vida são fundamentais na formação e no comportamento dos adultos.

O Regional: Como foi o processo de pesquisa da vida do autor?
Nereide: Por tratar-se de uma publicação não-ficcional, a pesquisa foi feita com critério e disciplina. Foi necessário acessar diferentes meios de pesquisa, desde bibliotecas, sebos, coleções raras e principalmente a contribuição, a análise e a avaliação do texto pela própria família do escritor. Monteiro Lobato é uma figura conhecida e reconhecida no Brasil e no exterior, e existem muitas publicações sobre a sua pessoa. No entanto, durante a pesquisa houve necessidade de conferir e checar todas as informações e buscar fatos interessantes e pertinentes ao publico leitor.

O Regional: Como é revelar o responsável pelas histórias às crianças?
Nereide: Escrever sobre Lobato é prazeroso. Especialmente para mim, que durante a própria infância, li e me deliciei com seus livros. Trazer o universo lobatiano para o público infantil atual foi uma oportunidade ímpar que me emocionou. O ato de reler, de pesquisar e finalmente escrever, fez-me recordar o tempo do faz-de-conta e homenagear quem me trouxe alegria e fantasia desde criança.
O Regional: O que Monteiro Lobato tem em comum com seus personagens?
Nereide: Os seus personagens infantis foram inspirados em pessoas com quem conviveu durante sua infância. Lobato começou a escrever para o publico infantil após a publicação de sua obra para adultos e ao recordar os espaços e os fatos que vivera quando criança, fez surgir seus encantadores personagens. Sua avó Anacleta inspirou Dona Benta, o seu professor Quirino de português inspirou o Visconde de Sabugosa, Joaquina inspirou a Tia Anastácia, e finalmente o próprio Lobato inspirou Pedrinho e a boneca Emilia, com sua irreverência, inteligência, critica e sagacidade, características marcantes de sua personalidade. Narizinho talvez tenha sido inspirada em suas irmãs, Esther e Judith. A imaginação do menino Lobato sempre esteve presente em suas aventuras infantis: escrevia, desenhava, lia muito e brincava pelo sitio de seu avô, semelhante ao Sitio do Pica Pau Amarelo.

O Regional: Para você, com qual personagem ele mais se identifica?
Nereide: Sem dúvida, o personagem central de sua obra é a boneca Emília, que representa sua personalidade forte e seus valores. A boneca que fala é o elemento gerador da fantasia no universo do sítio. É ela que comanda as brincadeiras, contesta e conduz o fio das histórias. Após sofrer tantas criticas, lutar contra a politica vigente na época e até mesmo ter sido preso por contestar ideias, Lobato resolveu falar através de uma boneca, em meio a aventuras infantis. Sua obra respeita a inteligência das crianças, ao mesmo tempo que diverte e ensina.

O Regional: Como foi traçar esse perfil e assimilação de uma forma lúdica?
Nereide: Escrever para crianças é uma tarefa nada fácil. A construção das frases, a escolha das palavras e a informação através de um texto lúdico e interessante são desafios de quem escreve para esse público. No caso de Lobato, sua vida é tão divertida quanto sua obra e para mim, transformá-la em um texto interessante não foi dificil. O resultado é um livro que informa, forma e diverte.

O Regional: Como tem sido a resposta das crianças?
Nereide: As crianças adoram Lobato. Ele trata o leitor com respeito e inteligência. Seus personagens são cativantes e próximos de nossa realidade. O universo de Lobato é o nosso país, com seus costumes, cultura, modo de vida de nosso povo. Esse resgate presente em seus textos traz orgulho de ser brasileiro aos seus leitores. E o livro Monteiro Lobato que conta a história de sua infância é motivo de curiosidade para quem aprecia seus personagens. A resposta é o sucesso de vendas.
O Regional: Como é identificado um talento na personalidade de uma criança? A série também toca nesta questão?
Nereide: A questão do talento de uma criança é contada de maneira natural. As personalidades biografadas na coleção são pessoas que se tornaram famosas quando adultas. Porem nos textos fica claro que tiveram momentos em sua infância semelhantes a qualquer outra criança com atividades e brincadeiras como jogar bola, tocar bandinha como o garoto Carlos Gomes, brincar de pipa como o pequeno Santos Dumont,  imitar um apito de trem como Tu Hu, apelido de Villa-Lobos, e principalmente ter uma família. Fica clara também a importância das relações familiares e o papel dos pais e parentes na formação das crianças. Finalmente, a coleção Crianças Famosas contribui para o entendimento de que todos nós podemos ser famosos, se formos felizes no que escolhemos para fazer. Ser famoso é ser feliz e ter conquistado a felicidade, e não necessariamente ser uma celebridade.

O Regional: O contato direto com a Natureza pode ter contribuído para o despertar da literatura em Monteiro Lobato?
Nereide: O tema Natureza permeia a obra de Lobato em diferentes textos. Em várias ocasiões, a relação de seus personagens com a Natureza é de respeito e de valorização ao meio ambiente. Quando criança, o garoto Juca, como era o seu apelido antes de se tornar José Bento, brincava no riacho do sitio assim como explorava a floresta ao redor descobrindo os animais, Essas e outras passagens de sua vida estão registradas no famoso Reino das Águas Claras, texto do livro Reinações de Narizinho.

O Regional: No último dia 18 foi comemorado o aniversário do lendário escritor. Qual o maior legado que ele deixou ao Brasil?
Nereide: Monteiro Lobato foi o primeiro escritor infanto-juvenil no Brasil, além disso, ele foi o primeiro a montar uma editora neste país, publicando e traduzindo obras da literatura mundial para o nosso povo. Alem de seu papel como jornalista, político e critico, contribuiu ao país ao incentivar a exploração do petróleo para o desenvolvimento econômico da época.

O Regional: Como os escritores infantis são vistos hoje?
Nereide: Graças a Monteiro Lobato, temos uma tradição literária voltada ao publico infanto-juvenil. Atualmente os pais e os professores incentivam a leitura das crianças e jovens, e conhecem a literatura voltada para esse segmento. Os escritores infantis são reconhecidos e suas obras contribuem significativamente para o desenvolvimento da imaginação, criatividade, conhecimento e formação de nossos brasileirinhos. As publicações são cuidadosas, as editoras têm interesse em publicar cada vez mais e os escritores se sentem recompensados.

O Regional: O que mudou na forma da escrita, da época de Monteiro Lobato, à época atual?
Nereide: A obra de Monteiro Lobato é bem extensa frequentemente com textos longos, porem dinâmicos e divertidos. A aventura lobatiana não pára em nenhum momento o que prende a atenção do leitor até o fim. Na época atual encontramos livros com breves textos, muitas ilustrações, e principalmente uma linguagem coloquial, além de temas próximos da realidade dos leitores.

Nereide Schilaro Santa Rosa nasceu em São Paulo e trabalhou como pedagoga por mais de 25 anos. Formou-se em pedagogia, matemática, desenho, música e artes. Atualmente trabalha como escritora. Já publicou mais de 30 livros e recebeu diversos prêmios, como o Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e o Jabuti. Além da obra de Monteiro Lobato, também publicou sobre a infância de outros famosos, como Santos Dumont, Villa Lobos, Carlos Gomes e Volpi.