Lobato para sempre

13/04/2012 20:11 – Tribuna do Planalto – Jornal

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Ele é o escritor brasileiro mais admirado do país e sua principal obra aparece em quarto lugar na preferência do público na lista dos livros mais marcantes, conforme indica a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2012, principal referência quando o assunto é o comportamento do leitor brasileiro.
Pensou em um autor atual, ainda vivo? Nada disso! O mestre da literatura descrito acima se chama José Bento Monteiro Lobato e nasceu no dia 18 de abril de 1882. Na mesma pesquisa, só que em 2007, Lobato já aparecia como o autor mais admirado.
Entre 2007 e 2011, o Sítio do Picapau Amarelo caiu da segunda para a quarta colocação entre os livros mais marcantes, mas seu criador continua na memória dos brasileiros. Ele é tão importante que o dia 18 de abril, data de seu aniversário, foi escolhido para celebrar o Dia Nacional do Livro Infantil.
Especialista em Literatura Infantil e Juvenil e mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Madanêlo Oliveira afirma que essa escolha é um dos indícios da importância que Lobato tem para a cena literária brasileira.
E há, segundo ela, muitos motivos para tal reconhecimento. Foram 26 livros publicados para o público infantil. “Autor de uma vasta obra que conta com títulos para crianças e adultos, Lobato assumiu um papel ativo na sociedade em que viveu, não se destacando apenas como homem das letras, mas também como editor e empreendedor”, lembra a professora.
O escritor fundou a primeira editora no Brasil, em 1918, a Monteiro Lobato e Cia. Antes disso, todos os livros escritos no Brasil precisavam ser enviados a Portugal para impressão. Imagine o trabalho que dava e o tempo que isso levava!
Autora de duas biografias de Monteiro Lobato, Nereide Santa Rosa informa que o escritor trabalhou como crítico em jornais e foi um questionador da política, cultura e sociedade.
Só depois disso é que decidiu escrever para crianças no Brasil. “Lançou-se com amor e dedicação ao universo infantil justamente por se decepcionar com o mundo adulto”, acrescenta Cristiane.

Inspiração na vida real

“Monteiro Lobato escreveu para crianças quando já era escritor e editor consagrado”, ressalta Nereide. A escritora conta que ele se inspirou em sua própria infância para construir seus personagens infantis. O Visconde de Sabugosa foi baseado em um professor de Português, a Dona Benta em sua avó Anacleta e Pedrinho e Emília nele mesmo.
Mais do que o universo do próprio Lobato, o Sítio do Picapau Amarelo resgata aspectos importantes da cultura brasileira. Essa opinião é compartilhada por Cristiane, Nereide e também pela gerente editorial da Globo Livros, Cecília Bassarani. “Inspirado pela infância que teve, Lobato inaugurou uma literatura com fortes traços brasileiros, que trazia personagens do folclore com muita fantasia misturada ao cotidiano real das crianças”, avalia.
Na opinião de Cecília, as histórias dos os personagens do Sítio deram um sabor brasileiro à literatura infantil, respeitando a inteligência de crianças e jovens. A gerente diz que, antes dele, os livros infantis eram trazidos da Europa e apresentavam histórias muito distantes da realidade brasileira.
Por outro lado, a produção nacional demonstrava uma preocupação exclusivamente educativa. “Ele montou um projeto pedagógico muito divertido em que as crianças vivenciavam emocionantes aventuras, temperadas com uma variedade de referenciais culturais saídos da prodigiosa mente lobatiana”, analisa Cristiane. Cecília acrescenta que Lobato foi um grande inovador no que se refere à linguagem, por escrever sempre buscando uma fala que aproximasse a linguagem escrita do discurso coloquial. O escritor também foi responsável por levar aos pequenos muitos temas considerados fora da realidade infantil.
Cristiane destaca que Lobato abordou temáticas que ainda se fazem atuais, sem tratar a criança como incapaz de entender os referenciais do mundo adulto. Mais do que isso, ela explica que o autor rompeu com o didatismo que reinava na literatura da época. “Para ele, a inteligência infantil poderia alcançar temas como política e petróleo, desde que houvesse a devida adaptação”.
Com o entusiasmo de uma fã, Cristiane afirma que o escritor deu voz às crianças. “O criador do Sítio mostrou como os questionamentos infantis podem revelar um olhar dissonante frente ao estabelecido e que se devem considerar as ideias dos pequeninos”.

Polêmicas

Se com as crianças a afinidade de Monteiro Lobato era grande, o mesmo não acontecia com os adultos. “Tal qual sua personagem mais ilustre, Emília, Lobato não tinha papas na língua e defendia publicamente suas posições”, justifica Cristiane.
Um de seus embates mais famosos se deu com os modernistas. O escritor não aprovava a forte influência europeia na arte feita no Brasil e, em 20 de dezembro de 1917, criticou uma mostra artística de Anita Malfati no artigo “Paranoia ou Mistificação?”.
A exposição da artista culminou na criação da Semana de Arte Moderna de 1922. A partir daí, o estranhamento entre ele e os modernistas se tornou permanente. Em 1926, o escritor voltou a provocar os artistas ao criticar um livro de Oswald de Andrade.
Cristiane explica que as críticas lançadas por Lobato à exposição de Anita afastaram-no definitivamente da cena literária para adultos. “Desde então, ele investiu mais na função de editor e na criação de uma vasta obra para crianças.”
Nos Estados Unidos, ele enfrentou ainda outro embate. A história de um candidato negro eleito para a presidência daquele país narrada por ele em O Presidente Negro e o Choque de Raças não foi bem aceita.
Lobato também sofreu por sua insistência na capacidade do Brasil em produzir petróleo. Ele defendia que a extração deveria ser feita pela iniciativa privada e defendeu sua posição, inclusive, por meio de uma carta enviada ao então presidente Getúlio Vargas.
Nela, o autor denunciava o interesse estrangeiro em negar a existência do petróleo brasileiro. Por conta disso chegou a ser preso três vezes.

Atual e modernizado

As histórias de Monteiro Lobato continuam a ser lidas, mesmo após sua morte há 60 anos. E nada indica que será esquecido. “Ler Lobato ainda se mostra como um atrativo para as crianças, já que vários temas por ele abordados continuam atuais, como a questão do petróleo em O Poço do Visconde, por exemplo”, avalia a mestre em Letras, Cristiane Madanêlo Oliveira.
Para a biógrafa do escritor, Nereide Santa Rosa, ele é um clássico e seu estilo ainda encantará gerações. “A magia, a aventura, as observações inteligentes de Emília, as situações de perigo, as competições e a fantasia são elementos de sua literatura que são universais”, considera ela.
Nereide enfatiza que esses elementos estão, hoje, também nas novas mídias e tecnologias, cativando leitores. Lobato, aliás, já está integrado aos avanços tecnológicos. O livro A Menina do Narizinho Arrebitado foi a primeira publicação interativa brasileira lançada em versão para iPad.
Gerente editorial da Globo Livros, responsável pelos direitos autorais do autor, Cecília Bassarani explica que a obra foi escolhida por ser um marco na literatura infanto-juvenil.
Para ela, a história permanece tão divertida e surpreendente como se tivesse acabado de ser escrita. “Ele sempre foi muito ousado e revolucionou o mercado livreiro nos anos 20. Nossa ideia foi prestar uma homenagem a ele, que sempre esteve à frente de seu tempo.”
Cecília acrescenta que o que faz a diferença é a qualidade do conteúdo. On-line também é possível encontrar Lobato no mundo virtual com personagens da literatura brasileira em O Mundo do Sítio (www.mundodositio.com.br).
Mesmo assim, Nereide acredita que o contato com o livro físico não se perderá. “O folhear, o manusear, ver as ilustrações, se imaginar como um dos personagens, descobrir as palavras, uma a uma em cada pagina, é um processo único, intimo entre o leitor e a obra”, destaca.
O que não tira o espaço dos e-books, por exemplo. “Dona Benta os compraria para seus netos, com certeza”, brinca Cristiane. Para ela, sempre haverá espaço para a literatura de qualidade no mercado. “As histórias dele são atuais e sempre serão porque trabalham com o que a criança tem de melhor, a fantasia e a autenticidade.”