Bandeiras Paulistanas

02/02/2009 – Portal SESC – Sao Paulo – Revista

Bandeiras paulistanas (Click para ver a notícia original)

Imigrante italiano, Alfredo Volpi foi pintor de paredes e operário antes de se consagrar como um dos mais importantes artistas plásticos do Brasil.
A trajetória do pintor Alfredo Volpi, nascido em Lucca, na Itália, em 1896, confunde-se com a de milhares de imigrantes italianos que desembarcaram em São Paulo na virada do século 20. Antes de ser reconhecido como um dos mais importantes artistas plásticos da segunda geração do modernismo brasileiro, esse membro ilustre do bairro do Cambuci, na Zona Sul da capital, foi funcionário de uma gráfica e pintor de paredes. “Volpi era um operário de construção”, diz Nereide Schilaro Santa Rosa, autora da biografia Alfredo Volpi, da coleção Mestres das Artes no Brasil (Moderna, 2000). “Carregava baldes de tinta, andava de tamancos, podia-se sentir o cheiro e a textura das tintas em sua pele.” E por muitos anos foi assim: pintava paredes a trabalho. E suas telas, por prazer, nas horas que lhe sobravam.
Autodidata, o artista não se municiou de conhecimento formal para fazer seus trabalhos. Não cresceu em um ambiente onde se respirava cultura nem era um homem viajado, a exemplo de outros modernistas mais abonados. Segundo Nereide, o pintor seguia exclusivamente os sentidos. “Você põe a primeira cor. Olha. Aí põe a segunda. Se está errado, você percebe e apaga. E começa tudo de novo”, dizia o mestre, explicando seu processo criativo. Essa aparente simplicidade na composição, no entanto, não deve enganar. Para o historiador e crítico de arte João Spinelli, esse “mistura e olha” de Volpi não tem nada de fácil. “Ele dosa emoção e raciocínio. E isso não é simples”, diz.
Bastante lembrado pelas famosas bandeirinhas, constantes em suas obras a partir da década de 1950, Volpi escondia por trás delas algo de sui generis, segundo afirma Spinelli. “Ele chegou às bandeirinhas para criar composições. Por trás disso, há uma estrutura de pensamento requintada, que levava em conta o número de formas e o número de cores. Ninguém fez igual.” Para o especialista, o artista foi de coerência marcante. “A obra dele foi coerente com ele próprio, que sempre foi simples e despojado, com o tempo em que viveu, que ele soube acompanhar muito bem, e com o Brasil.”
Operário-pintor
Alfredo Volpi chegou ao Brasil com um ano e meio de idade. Era o terceiro dos cinco filhos de Giusepina e Ludovico, que viviam do dinheiro do comércio de queijos e vinhos e buscaram uma vida melhor no novo mundo. Tinha 12 anos quando arrumou emprego em uma gráfica e, com o primeiro salário, comprou uma caixa de aquarelas. Três anos depois, começou a trabalhar como pintor, fazendo faixas decorativas em paredes das casas de famílias endinheiradas. Esse foi o primeiro contato com a pintura, que se tornaria mais intenso por meio do amigo Orlando, que estudava artes em uma escola profissional do Brás, e com quem tinha conversas que o inquietavam cada vez mais. Até que, aos 18 anos, surge a primeira obra: uma paisagem, feita com tinta a óleo sobre a tampa de uma caixa de charutos. A exemplo do que aconteceu com muitos grandes nomes das artes brasileiras nas primeiras décadas do século 20, Volpi tinha diante de si um cenário de grandes mudanças. A própria São Paulo começava a adquirir os contornos da metrópole que se tornaria anos depois. Imigrantes de diversas partes do mundo desembarcavam no porto de Santos e subiam a serra trazendo consigo novas culturas, novas cores e formas.
Nas artes, os pioneiros do movimento modernista interessavam-se cada vez mais por essa mistura. Volpi capturou tudo isso em suas primeiras telas, ainda inspiradas nas pinturas dos impressionistas europeus do século 19.O jovem artista começou a mostrar suas primeiras referências modernistas na tela Mulata, de 1927. De acordo com a biógrafa Nereide Schilaro Santa Rosa, a mulher retratada na pintura era uma garçonete chamada Benedita da Conceição, o grande amor do pintor, com quem ele se casou e teve sua única filha, Eugênia.
Em 1928, Volpi recebeu a medalha de ouro do Salão de Belas Artes, primeiro prêmio conseguido por sua pintura. A essa altura, por meio de mostras e da amizade com outros artistas, seus trabalhos tornaram-se mais conhecidos.
Bandeiras e consagração
Nos anos de 1940, Volpi inicia a transição da pintura predominantemente figurativa para a geométrica. “Ele começou com as fachadas e os casarios, mas foi eliminando as linhas, até chegar às bandeirinhas”, explica João Spinelli. Nessa época, também começou a pintar com têmpera, um tipo de tinta preparada por ele mesmo, misturando clara e gema de ovos, óleo de cravo e pigmentos coloridos. “Combinar cores tornou-se sua linguagem preferida”, afirma Nereide Schilaro Santa Rosa na biografia do pintor. “O equilíbrio em suas composições mostram sua segurança e tranquilidade como artista”, diz ela. Na década seguinte, Volpi já era consagrado, tendo participado das Bienais de Veneza e de São Paulo, onde, em 1953, dividiu com Di Cavalcanti o prêmio de Melhor Pintor Nacional. A essa altura, as formas geométricas nas telas do artista já tinham caído nas graças dos concretistas, chegando a participar de exposições de arte concreta em 1956 e 1957.
Sobre as bandeirinhas, Volpi dizia: “A gente se desliga e então passa a existir o problema da linha, forma e cor. (…) Minhas bandeirinhas não são bandeirinhas; são só os problemas das bandeirinhas.” Ele as pintou até o fim da vida, em 1988.